quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A volta do Reprimido, de Paulo Leminsky




Este é mesmo o país de Ruy Barbosa.
É inacreditável a estupidez que vem cercando a discussão atual sobre perigos que corre a língua portuguesa no Brasil e seus possíveis corretivos pedagógico-educacionais.
Em primeiro lugar, mal consigo acreditar em meus olhos quando vejo professores universitários, supostamente formados em linguística, atacando o português “errado” falado (ou escrito) pelos jovens, defendendo um português “certo”, como se existisse um português errado ou certo. Certo e errado, queridos, não é critério linguístico. E moral ou jurídico. Só uma lei determina o que é certo. Como disse para sempre o apostolo Paulo, “a lei criou o pecado”. São as regras das gramáticas que criam o erro, não os usuários da língua.
Quem estabelece o certo e o errado é toda comunidade de falantes, não meia dúzia de faraós encastelados em seus filológicos sarcófagos universitários ou acadêmicos.
                Não foi aqui no Brasil que se bagunçou a colocação dos pronomes de Portugal? Nós brasileiros, começamos frase com variação pronominal, e achamos mais gostoso assim (“me dá um dinheiro aí”, “te digo uma coisa”, “lhe dou uma lição”), coisa que discrepa do uso lusitano. E daí? Boa parte do esforço do modernismo (mários e oswaldes) foi no sentido de obtermos dignidade de escrever como falamos, nós, do lado de cá do Atlântico.
                Leio, agora, que em Portugal o problema também é grave. Às avessas. A invasão da simpática republiqueta ibérica pelas novelas da Globo está levando o pânico às hostes dos conservadores do idioma de Camões. Leio até propostas de alguns, dignos descendentes de Salazar, recomendando a criação de comissões estatais de censura para fiscalizar a colocação de pronomes na TV portuguesa, invadida pela barbárie ipanemense da Globo. É de morrer de rir.
A “contribuição milionária de todos os erros”, de que falava Oswald, erros negros, erros índios, erros mestiços, erros mulatos, hoje, está por cima. É como dizem, genialmente, os baianos, esses primeiros brasileiros, “Deus é mais”.
                E se os jovens, hoje não sabem “se expressar” (como os velhos querem, evidentemente), isso se deve a vinte anos de estúpida ditadura, a um ensino aviltado e degradado, a um mercantilismo generalizado, que nada tem a ver com “domínio do português”, “conhecimento da língua” e outras bobagens, que servem, apenas, para justificar o emprego de milhares de pedagogos reacionários e repressivos.
                As múmias nem percebem que os tempos mudaram. Mais que a língua, fala, hoje, a linguagem, o idioma integral do corpo, da roupa, da atitude.
                Já estamos num videoclipe. E as múmias continuam se comportando, e legislando, como se estivéssemos em plena sessão da Academia Brasileira de Letras, onde para um Antonio Houaiss tem oito Ramsés III.
                É obvio, para quem quer que não tenha o QI do português das nossas anedotas, que historicamente, o futuro da língua, um dia, lusitana, está aqui no Brasil de 130 milhões de falantes, e não no Portugal de parcos 10 milhões, um país sem nenhuma expressão internacional, destituído de qualquer importância cientifica, industrial ou tecnológica, um mero eco da historia que já houve.
                Através da fala brasileira, veiculada pelas novelas da Globo, executa-se uma justiça histórica, que já tardava séculos, esses séculos em que nós estávamos errados, porque Portugal sempre estava certo.
                Graças a Portugal que nos colonizou e explorou durante quatro séculos, falamos, nós, a sexta potencia econômica do planeta, uma língua que, em nível mundial, é apenas um “patois” do espanhol, um dialeto obscuro que ninguém, no mundo, lê nem entende. É a última sacanagem de Portugal. Estamos enclausurados numa língua insignificante. Se um dia ela tiver que ser alguma coisa, nós, brasileiros, é que temos que fazê-lo.
                Só preconceitos arqueológicos-necrofilos ainda nós fazem chamar essa língua de “portuguesa”.
                Está na hora de Portugal começar a falar brasileiro.
                E assim será, queiram os professores ou não queiram.

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